20150326

A clara escuridão

"[...] É o que eu faço quando o sono se recusa a vir. Deixo-me ficar deitado na cama e conto-me histórias.[...]"

Paul Auster (in: Homem na Escuridão, traduzido nas edições Asa, p.8), apelidado de mestre do "surrealismo real", conduz-nos assim para uma história de transposição dos locais de guerras reais para ficcionais, aquelas que moram dentro da consciência coletiva.
E é esse real que nos afronta e persegue há vários anos mergulhando-nos num hiperrealismo de contabilidades e défices de que pouco como cidadãos comuns entendemos. Dizem-nos que é economia de mercado (há quem lhe chame guerra); parece que de repente tudo se apagou: ficamos numa escuridão devastadora. De nada mais podemos saber como se mais nada exista para além da luz que 'ilumina' a ribalta do défice...
Por mim o verdadeiro défice está em tudo aquilo que não nos é dado a conhecer, nas histórias que podíamos criar e não nos são permitidas 'escrever'; por nada mais sobrar para além do tempo ocupado pelo lixo com que nos atulham os sentidos... Parecemos meros espetadores, fantoches nas mãos de comediantes stand up que nos manipulam os sorrisos para a brejeirice. E rimos para sermos socialmente aceites na caderneta de cromos que fazem parte destes tempos sem tempo dado à reflexão. E refletir para quê se não o sabemos escrever e, então, podermos olhar para uma parte da forma dos nossos pensamentos.

Também pela mão de uma "Morte sem mestre" ficamos a saber que:
"A escrita afasta concretamente o mundo. Não é o melhor método, mas é um. Os outros requerem uma energia espiritual que suspeita do próprio uso da escrita [...]"
(Herberto Helder, in: Photomaton & Vox)

Até onde, nos dias que nos dão a conhecer, seremos capazes de intercetar nos outros as nossas interpretações sobre a escuridão de ser.

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